Gaúcha de Santa Maria é professora no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e foi uma das integrantes da primeira turma do programa de mestrado coordenado pela SBM

Em seu 15º ano vigente, o Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (PROFMAT) tem a seu favor o caráter transformador na carreira de milhares de professores no Brasil. Hoje, o projeto coordenado pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) abrange os 26 Estados da Federação, além do Distrito Federal.
Por isso, o PROFMAT não para em barreiras geográficas para mudar a vida de profissionais da educação básica em Matemática. De Norte a Sul, de Leste a Oeste, da zona urbana ao campo, a SBM trabalha a cada dia para atrair ainda mais o interesse do(a) formado(a) em Licenciatura e/ou Bacharelado para torná-lo(a) um(a) docente mais capacitado(a).
No caso de Ana Luiza de Freitas Kessler, a vocação de ensinar Matemática nasceu nas janelas da fazenda onde morava em Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, e a levou a vivenciar o PROFMAT como aluna e também como integrante de sua Comissão Acadêmica Nacional. Uma experiência rara entre os egressos do programa que segue fazendo história em suas caminhadas pelo Brasil.
Do coração do Rio Grande
O apego pela Matemática em Ana Luiza surgiu ainda na infância em Santa Maria, onde a gaúcha nasceu em 1984. Ali mesmo, ‘no coração do Rio Grande’, ela cresceu junto dos pais, do irmão e da avó entre a cidade e as atividades na zona rural.
Seus pais eram dentistas – em meio período, o pai também trabalhava na agropecuária na fazenda da família – e, naturalmente, veio uma certa indicação para a filha também seguir pelo caminho dentário. Só que, com 11 anos, Ana Luiza já mostrava dotes para uma área bem distinta.

“Eu sempre fui organizada com dinheiro. Quando tinha 11 anos, comecei a trabalhar na cantina de uma universidade, que era da minha tia. Eu trabalhava no caixa e isso me ajudava a fazer contas rápidas, isso me estimulou bastante à ideia de querer dar aula particular. Então, eu já via que Matemática era algo que me fascinava”, revela a gaúcha.
Durante a infância, Ana Luiza se acostumou a frequentar escolas públicas em Santa Maria. Nos finais de semana, passava o tempo na fazenda e encontrou um passatempo característico que a puxou ainda mais para a área de Matemática.
“Minha infância foi muito simples e tranquila, passava o tempo com os primos e a família toda em volta na casa da minha avó. Minha tia era professora, então me dava cartilhas velhas dos meus primos e sempre eu fazia as atividades. Eu me recordo de fazer sozinha contas nas janelas da fazenda com giz, como se estivesse dando aula para um amigo”, lembra ela.
No 2º ano do Ensino Médio, a gaúcha, então com 17 anos, começou a ministrar aulas particulares de Matemática para turmas do Ensino Fundamental que precisavam de uma espécie de reforço. A experiência no financeiro da cantina da universidade, a vivência como professora e os meses de cursinho foram importantíssimos para Ana Luiza prestar vestibular.
O vestibular e a escolha correta por Matemática
Inicialmente, ela prestou duas vezes para Odontologia, porém ficou por ‘um ponto da nota de corte’. Dessa forma, a escolha em Matemática veio a calhar por ter se transformado em uma paixão na vida de Ana Luiza após as experiências vividas.
“Eu já vinha estudando para o vestibular, fiz cursinho, inclusive aprendi mais conteúdos de Matemática, porque a gente sabe que, em escola pública, você acaba saindo sem saber muita coisa. Dava aulas para escolinhas, então, como não tinha passado para Odontologia em duas oportunidades, resolvi prestar para Matemática e me apaixonei. Senti que era mesmo onde queria estar”, admite a gaúcha, aprovada na Graduação em Matemática pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 2005.
O início do curso não foi nada fácil. “Na minha primeira disciplina, Geometria Plana, veio minha primeira nota vermelha. Nunca tinha tirado nota baixa na vida”, recorda-se Ana Luiza, mas deixando claro que o mau desempenho inicial a deixou alerta para se recuperar e trilhar uma graduação exemplar na UFSM.
Mas se engana quem crê que não houve tentativas de convencer a gaúcha a recalcular sua rota. “Muitas pessoas me aconselharam a fazer Engenharia, mas eu queria Matemática. Meu sonho era dar aula de Matemática, porque era algo que já tinha feito e me encantava”, explana.
O mestrado e o ingresso no PROFMAT
Ela terminou o curso de Licenciatura Plena na UFMS em 2010 e a própria Ana Luiza reconhece que havia feito um planejamento inicial a seguir após a graduação: ser aprovada em um mestrado, prestar um concurso federal e, por fim, entrar no doutorado. Neste ínterim, já havia se mudado para Porto Alegre e foi chamada para ministrar aulas em um colégio em São Leopoldo, na região metropolitana da capital.

Entre as idas e vindas diárias de São Leopoldo a Porto Alegre, Ana Luiza teve contato com o PROFMAT, que acabara de sair ‘do papel’. Ela se interessou bastante pela proposta do programa recém-criado e foi aprovada no exame. A partir daí, a vida da gaúcha se tornou uma verdadeira maratona pelo Estado.
“Passei a fazer o PROFMAT em Santa Maria, na UFSM, mas ainda trabalhando em São Leopoldo e morando em Porto Alegre. Foi um momento muito complicado, porque diariamente tinha que acordar às 4h30 para pegar um táxi até a estação de trem, viajava por 40 minutos até São Leopoldo, mais meia hora de ônibus para o bairro onde ficava a escola. Só chegava meia-noite em casa e também tinha o PROFMAT. Viajava 300km todo final de semana para frequentar as aulas em Santa Maria. Foi muito puxado”, admite Ana Luiza.
O incidente que (quase) a fez desistir do Mestrado
Após o primeiro ano completo do PROFMAT, a gaúcha retornou a Santa Maria, onde foi aprovada em um concurso para uma escola estadual de Ensino Médio. Por ser integrante da primeira turma do programa coordenado pela SBM, as avaliações eram bastante complexas, todas elaboradas por professores do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA).
Quando se preparava para o Exame Nacional de Qualificação (ENQ), no início de 2013, Santa Maria e o Brasil foram vítimas de um incêndio na boate Kiss, o qual provocou a morte de 242 pessoas. “Acabei perdendo dois primos naquela tragédia e não tive condições de continuar”, completou Ana Luiza, desligada do programa na UFSM em seguida.
Após frequentar um simpósio no Paraná, em 2014, a convite de uma amiga na área, Ana Luiza retomou a confiança para tentar completar o mestrado. Foram vários meses de estudo intensivo até ser aprovada em novo Exame de Acesso para voltar ao PROFMAT. Assim, a gaúcha finalizou o curso no ano seguinte.
“O PROFMAT me deu mais segurança como professora da Matemática, academicamente, em relação ao conteúdo. Apesar das dificuldades que passei durante aquele período, o curso me deu coragem de dizer que sou capaz de superar todos os percalços do caminho. Eu não desisti, eu viajava 300 km, de noite, de madrugada, e consegui terminar. Tudo isso me encorajou para agora, como docente, poder inovar, buscar sempre coisas diferenciadas para atrair os estudantes. O PROFMAT me permitiu não acomodar e permanecer ativa com a prática dentro da sala de aula”, reconhece Ana Luiza.
Benefícios de uma carreira bem-sucedida como egressa do PROFMAT
Atualmente, a gaúcha exerce a função de professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. É na instituição onde Ana Luiza está concluindo seu Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, em que se concentra na importância da interdisciplinaridade na formação continuada de docentes.
Desde 2013, Ana Luiza faz parte ativamente da Associação Nacional dos Professores de Matemática na Educação Básica (ANPMat), criada há 12 anos exatamente por egressos do PROFMAT, ora como secretária regional, ora na diretoria, organizando os Simpósios da Formação do Professor de Matemática ou coordenando os eventos pelo Brasil.
Pela ANPMat, ela teve a oportunidade de fazer parte recentemente da Comissão Acadêmica Nacional do PROFMAT, o que fez a professora ‘abrir a mente’ sobre as perspectivas do programa coordenado pela SBM.
“Pude participar da Comissão Acadêmica Nacional como egressa, que foi uma diferença muito interessante, pois pude conhecer o outro lado. Eu só conhecia o PROFMAT como aluna, daí agora compreendo um pouco como funciona a parte burocrática das decisões que têm que ser tomadas. Então, poder dar a minha visão do tema como egressa e como aluna do PROFMAT foi bem interessante durante minha trajetória”, diz ela, que compõe atualmente o Conselho Diretor da ANPMat.

Para as próximas gerações, Ana Luiza aconselha a encararem o PROFMAT como um verdadeiro trampolim para os próximos passos na carreira acadêmica. A gaúcha reconhece que as dificuldades do processo, concluído há dez anos, valorizaram ainda mais a profissional que ela se tornou hoje.
“Para quem faz Matemática, o PROFMAT é uma grande oportunidade. É um curso que exige muita disciplina, tempo, sofrimento, e exige muito estudo para passar no Exame de Qualificação, no Exame de Acesso, para fazer a dissertação, mas é um grande aprendizado. Para mim, foi fundamental para formar a profissional que sou hoje. Se hoje estou onde estou, as oportunidades que me apareceram conhecer essas pessoas na ANPMat foi por causa do PROFMAT”, encerra a gaúcha, uma das primeiras formadas do programa que já capacitou mais de 7.800 alunos do Brasil inteiro.